RELÓGIO

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

PROFESSOR PROFISSÃO DE RISCO?


Professor/a: profissão de risco?Vera Maria Candau
Professora e pesquisadora do Departamento de Educação da Puc-Rio vmfc@edu.puc-rio.br
Rio de Janeiro, Brasil

O magistério foi considerado durante muito tempo como uma profissão muito valorizada socialmente, de presgio e reconhecimento pelo seu potencial humanizador e seu compromisso com a formação para a cidadania. Em geral, esta valorização não era acompanhada de condições de trabalho muito favoráveis. O salário dos professores e professoras era módico e os estímulos para o desenvolvimento profissional escassos. No entanto, isto não impedia que o magistério fosse visto e vivido como uma profissão que valia a pena por sua importância intelectual, ética e social.
Esta não é a situação que vemos hoje. Junto às condições de trabalho precárias que a grande maioria dos/as professores/as vive, é possível detectar um crescente mal-estar
entre os profissionais da educação. Insegurança, stress, angústia parecem cada vez mais
acompanhar o dia a dia dos docentes. Além disso, sua autoridade intelectual e preparação profissional é frequentemente questionada e as ltiplas manifestações de indisciplina e violência no cotidiano escolar se intensificam, assim como as pressões sociais se fazem cada vez mais fortes e as escolas, blicas e privadas, não conseguem responder adequadamente às novas demandas. Por outro lado, o impacto das tecnologias da informação e da comunicação sobre os processos de ensino-aprendizagem obrigam os/as educadores/as a buscar novas estratégias pedagógicas e os sujeitos da educação, crianças e  adolescentes,  apresentam  configurações  identitárias  e  subjetividades  fluidas  que escapam à compreensão dos professores e professoras. Diante deste quadro muitos/as evadem da profissão e procuram caminhos mais tranqüilos, gratificantes e seguros de exercício profissional.
Ser professor/a hoje se vem transformando em uma atividade de risco que desafia nossa  resistência,  saúde  e  equilíbrio  emocional,  capacidade  de  enfrentar  conflitos  e
construir experiências pedagógicas significativas cada dia.

1                                                                            Disponível                                        em:


ENTRE SABERES E CULTURAS: O QUE ENSINAR?
Esta pergunta, aparentemente simples, é na atualidade extremamente desafiadora para s, professores e professoras. A identidade docente tem estado fortemente ancorada, especialmente a partir do segundo segmento do ensino fundamental, no domínio de um conhecimento específico do qual o/a professor/a é considerado/a especialista. A posse deste chamado "conteúdo" não é colocada em questão. Este saber, oriundo do campo científico de referência, dá ao docente segurança e convicção de que possui um patrinio, que lhe é próprio, que lhe corresponde socializar. Este conhecimento foi adquirido ao longo de vários anos de formação universitária e pertence aos "iniciados" em cada área específica do conhecimento considerado científico. Por outro lado, existem bons livros didáticos que "pedagogizam" estes "conteúdos" aos diferentes níveis de ensino. Confiantes no nosso saber, formação e nos materiais de apoio selecionados nos é possível, esta é nossa crença, desenvolver com tranqüilidade e competência nossa atividade docente diária.
Esta  era/é  a  visão  dominante  mas  a  reflexão  pedagógica  em  geral  e,  mais especificamente, a teoria curricular, nos últimos anos vem questionando fortemente esta
concepção do conhecimento escolar. Este passa a ser concebido como uma construção
específica do contexto educacional, em que o cruzamento entre diferentes saberes, cotidianos e/ou sociais e científicos, referenciados a universos culturais plurais, se no cotidiano escolar em processos de diálogo e confronto, permeados por relões de poder. O conhecimento escolar não é concebido como um "dado" inquestionável e "neutro", a partir do qual nós, professores/as configuramos nosso ensino. Trata-se de uma construção permeada por relões sociais e culturais, processos complexos de "transposição"/ "recontextualização" ditica e dinâmicas que têm de ser ressignificadas continuamente.
O que ensinar? Como favorecer aprendizagens significativas? Estas perguntas, mais ou  menos  óbvias  e  tranquilas  em  outros  tempos  passam,  hoje,  a  ser  questões
desestabilizadoras e instigantes, que admitem respostas ltiplas, segundo as concepções
epistemológicas e educativas que informem nossas práticas pedagógicas cotidianas.

NOSSOS ALUNOS E ALUNAS: IDENTIDADES PLURAIS E FLUIDAS QUE NOS ESCAPAM A CADA MOMENTO?
Outra questão que informa a prática docente diz respeito à caracterização de nossos alunos e alunas. Durante muito tempo nos pautamos em nosso dia-a-dia por uma visão do
que se convencionou chamar de "aluno médio", certamente uma abstração mas que constituía uma referência para a docência. De onde veio esta construção? Acredito que se
possa afirmar que está baseada numa simplificação de textos de psicologia do desenvolvimento e de psicologia da educação em que são apresentadas as principais
características de diferentes etapas da vida, no nosso caso das fases da infância, da pré- adolescência e da adolescência. Muitas vezes destacasse elementos que favorecem uma
visão homogeneizadora, que tendem a descrever de modo uniforme os/as alunos/as. Tendemos a assumir esta visão uniforme destes personagens e a adequar nosso ensino ela.


Basta entrar em uma sala de aula do ensino fundamental com um olhar sensível às diferenças, para que se evidencia a inadequação desta perspectiva. As crianças e adolescentes "explodem" este modo de encará-los. Apresentam formas de expressar-se, comportar-se, situar-se diante de distintas situações que questionam nossas formas habituais, socialmente construídas, de lidar com elas. Diferenças de gênero, físico- sensoriais, étnicas, religiosas, de contextos sociais de referência, de orientação sexual, entre outras, se visibizam e expressam nos diversos cenários escolares.

Os educadores e educadoras nos manifestamos muitas vezes desconcertados com nossos alunos e alunas, diante desta explosão das diferenças. Tendemos, com freqüência, a encará-la negativamente, "já não se fazem alunos como antigamente".... afirmamos, explicita ou implicitamente. Os/as alunos/as - verdadeiros "alienígenas"?- estão exigindo de nós, educadores/as - ou se que somos nós os/as "alienígenas"? - , novas formas de reconhecimento de suas alteridades, de atuar, negociar, dialogar, propor e criar. Estamos desafiados a superar uma visão padronizadora, assim como um olhar impregnado por um juízo, em geral, negativo de suas manifestações e maneiras de ser. Trata-se de abrir espaços que nos permitam compreender estas novas configurações identitárias, plurais e fluidas, presentes nas nossas escolas e na nossa sociedade.
ENTRE O "QUADRONEGRO/ VERDE/BRANCO" E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: QUE DINÂMICA CONSTRUIR NA SALA DE AULA?
Outro aspecto desestabilizador da prática docente diz respeito ás estratégias diticas privilegiadas na sala de aula. O ensino frontal tem sido a perspectiva dominante
nas nossas escolas. Basta entrar em um estabelecimento de ensino que o reconhecemos
pela organização espacial das salas de aula. O chamado "quadro-negro, verde ou branco" em uma das paredes, as carteiras enfileiradas diante dele indicando que todos devem olhar para aquele personagem, nós, professores/as, que, em alguns instantes, entrará para "dar" a sua aula. Certamente esta descrição é caricatural. Nos primeiros anos do ensino fundamental já está sendo superada. No entanto, na segunda etapa do ensino fundamental e no ensino médio, afirmo, sem duvidar, ainda impera na grande maioria das escolas. Certamente de modo matizado em muitas situações, com maior freqüência de exposições dialogadas, alguns trabalhos em grupos, utilização de filmes, apresentações em powerpoint e utilização de outras mídias que "modernizam" mas não rompem com o chamado ensino frontal.

É  importante  ressaltar  que,  em  algumas  escolas,  já  se  está  trabalhando  em  uma perspectiva diferente, que se pode chamar de "sala de aula ampliada"(Koff, 2008).[1] Nela os diferentes espaços escolares - corredores, tio, biblioteca, laboratório de infortica, etc - e mesmo espaços fora da escola - ruas, museus, fábricas, empresas, jardins, parques, shoppings, etc - são concebidos como "salas de aula", na medida em que favorecem processos de aprendizagem e ensino, tanto de professores/as quanto de alunos/as.
A familiaridade das crianças e adolescentes com as TIC's é cada vez maior. Os alunos e alunas manifestam intimidade com este mundo, "navegam" com autonomia e,
muitas vezes, nos ensinam, pois nós professores/as - pelo menos os que possuímos mais
anos de magistério -, em geral, nos metemos no mundo das TICs mais lentamente. Esta é uma realidade que vem se impondo cada vez mais. Como integrar de modo consistente as TICs nos processos de ensino-aprendizagem? Como utilizá-las na perspectiva de favorecer

processos de construção de conhecimento, análise e reflexão críticas? Como operar com as múltiplas possibilidades que as TICs oferecem a partir de uma visão reflexiva e crítica de sua utilização tanto no meio escolar, como na sociedade em geral?



QUE SIGNIFICA CIDADANIA EM SOCIEDADES MARCADAS PELO INDIVIDUALISMO E A CULTURA DO CONSUMO? QUAL O PAPEL DA ESCOLA NESTA PERSPECTIVA?
Entre os objetivos das escolas, um dos considerados básicos, constitutivos da própria configuração da instituição escolar é a formação para a cidadania. Mas, o que
quer dizer esta expressão hoje? Ainda tem sentido afirmá-la? Cidadania, em geral, é uma categoria referida à consciência de pertença a um estado- nação. Serviu historicamente, me
atreveria a afirmar, para negar e/ou silenciar as diferenças, "Somos todos brasileiros" é uma expressão   muitas   vezes   utilizada   para   não   enfrentar   conflitos,   não   reconhecer
desigualdades e discriminações.

Vivemos em tempos de globalização que, para vários analistas, é um fenômeno pluri- dimensional que fragiliza os chamados estados-nação. Por outro lado, nas sociedades complexas, marcadas por políticas neoliberais e pela centralidade do consumo e do individualismo, a cidadania é muitas vezes orientada à formação de consumidores.
Neste contexto, problematizar a questão da cidadania constitui um desafio importante para nós, educadores e educadoras. De que cidadania falamos? Que cidadania queremos ajudar a construir? Como ressignificar este conceito que está relacionado à dimensão publica, sócio-política e coletiva da vida? Como favorecer uma cidadania diferenciada, que procura articular igualdade e diferença? Muitas são hoje as experiências de voluntariado, os projetos promovidos por organizações não governamentais e outros atores da sociedade civil que apontam nesta direção e, certamente nós, educadores/as, também estamos chamados a participar desta construção de redes de solidariedade e compromisso social.
Profissão de risco... Certamente ser professor/a hoje supõe assumir um processo de desnaturalização da profissão docente, do "ofício de professor/a", e ressignificar saberes,
práticas, atitudes e compromissos cotidianos orientados à promoção de uma educação de
qualidade social e culturalmente plural para todos/as. Mas, não é isto que permite humanizarmo-nos e humanizar, aprofundar nos dilemas do nosso tempo, dilatar horizontes, desafiar, criar? E, não são estas as "marcas" da profissão docente? (NA)
[1] Koff, Adélia Maria Nehme Simão e. Escolas, Conhecimentos e Culturas: projetos de investigação como estratégia teórico-metodológica de reorganização curricular. Tese de doutoramento, Departamento de Educação da PUC-Rio, 2008.
Referência Bibliográfica:
DIDÁTICA, Leitura Complementar para aula 3, plataforma CEDERJ.

Postado por: Cristina, Joselito, Maria Conceição, Nilzeleia, Regilene e Jailson Brito.

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